Mauro Xavier, sócio do Benfica que já chegou a ser apontado como possível candidato à presidência do clube, desafiou este sábado Rui Costa a marcar eleições e recandidatar-se «com uma equipa completamente nova». Na segunda Assembleia Geral do dia, destinada à votação do orçamento do clube para a nova época, Mauro Xavier declarou não pretender fazer parte dessa reestruturação e deixou subentendido o apoio ao atual presidente caso este siga a sugestão: «Tenho a absoluta convicção de que se seguires este caminho continuarás a merecer o apoio da maioria dos benfiquistas.»
O limite de 3 minutos determinado pela Mesa da Assembleia Geral impediu que Mauro Xavier expusesse na íntegra o discurso preparado para a ocasião, ao qual A BOLA teve acesso:
Estamos reunidos num momento crucial para o nosso clube. A recente instabilidade aumenta a preocupação entre muitos de nós. Não devemos ignorar que estamos perante momentos difíceis, que requerem uma liderança capaz de ouvir os sócios.
Aqui fica, aliás, a primeira proposta: constituir urgentemente um conselho estratégico — previsto no artigo 71º dos nossos estatutos —, que nos permita garantir o cumprimento de uma visão a longo prazo e assegurar uma tomada de decisões mais robusta e informada.
Quanto ao orçamento, as linhas gerais apresentadas refletem as prioridades: ser o clube mais eclético de Portugal, com um destaque especial ao desporto feminino, incluindo a transferência da equipa de futebol feminino para a SAD, uma decisão que merece reconhecimento.
Embora haja muito por analisar, comecemos pelo positivo. O Benfica tem atualmente 17 atletas qualificados para os Jogos Olímpicos de Paris 2024. O projeto Benfica Olímpico é notável e merece todo o nosso apoio, logo lamento que este orçamento não contenha detalhes sobre o investimento nesta área. Mas aproveito a ocasião para desejar a melhor sorte aos nossos atletas olímpicos e, na pessoa do nosso atleta mais medalhado, o nosso super-herói Fernando Pimenta, votos de muitas medalhas para todos.
Aquilo que aqui nos une é a nossa vontade comum de construir um futuro de vitória. Para que assim seja, é preciso saber criticar aquilo que está mal, mas também contribuir para a melhoria ativa do nosso clube. No Sport Lisboa e Benfica, a voz de cada associado conta e é neste fórum que devemos ser capazes de dialogar para dignificar o clube que todos amamos.
Focando-me exclusivamente sobre o orçamento, três grandes áreas carecem de melhoria.
É essencial detalhar os centros de custo de forma mais granular para identificar onde os recursos são usados de forma eficiente e onde existem oportunidades de melhoria. A falta de separação dos centros de custo por modalidade e equipa (masculina e feminina) dificulta esta análise.
É fundamental começar a integrar uma análise de risco financeiro que identifique vulnerabilidades e proponha estratégias de mitigação.
Finalmente, o clube deve publicar relatórios financeiros trimestrais com a execução, permitindo que os sócios acompanhem de mais perto a situação financeira, aumentando assim a confiança e a participação da massa associativa.
A estratégia de crescimento da Marca Benfica através do futebol de formação tem sido pouco consistente e carece de ambição, especialmente a nível internacional. É necessária uma maior articulação com o Seixal, particularmente no suporte técnico e nos conteúdos oferecidos. Atualmente, os modelos disponibilizados são apenas em formato de escola de animação, e não de academia de competição. Ambos devem ser aposta, tal como nos mostram as melhores práticas internacionais.
No capítulo das receitas, a queda de 2 milhões de euros em receitas de patrocínios e publicidade é alarmante. Se esta queda estiver associada à passagem do futebol feminino para a SAD, então as nossas royalties devem ser aumentadas em valor equivalente. Também o plano de merchandising é pouco ambicioso: o crescimento mínimo anual nunca deveria ser inferior a 20%, e não apenas 10% como proposto.
Já no capítulo dos gastos, os custos operacionais e de pessoal aumentaram de forma significativa e preocupante nos últimos três anos. Infelizmente, a previsão de uma redução abrupta não inclui nenhuma explicação.
Devemos assegurar que o total gasto em modalidades e formação não ultrapassa o valor das suas receitas, acrescido do valor total das quotizações. Atualmente, são ainda adicionados mais 7 milhões de euros.
Para terminar, com um orçamento de 67 milhões de euros, o investimento é de apenas 1,7%, um valor insuficiente. Deveríamos ter a ambição de investir pelo menos 15% em infraestruturas para aumentar a capacidade, gerando uma receita crescente proveniente de inscrições e mensalidades
Finalmente, precisamos, sempre, de mais mística. Temos de respeitar todos aqueles que seguem, apoiam e representam o nosso clube.
Por um lado, há que abordar a relação que o clube tem com os seus sócios:
– Há esforços positivos, como o reforço do programa Sócio Família e a dinamização do programa “Mais Vantagens”, mas falta recuperar um atendimento digno aos sócios do nosso clube. As queixas sobre assuntos não resolvidos não param de aumentar e o clube parece continuar a ignorá-las.
Embora veja com bons olhos a aposta num programa para a recuperação dos sócios que deixam de pagar quotas, a ambição de aumentar o número de novos sócios é insuficiente. Uma meta de apenas 5.000 novos sócios anuais, cerca de 14 por dia, é muito curta para um clube da nossa dimensão e prestígio
Por outro lado, se os contributos das Casas do Benfica e da Fundação Benfica são realmente fundamentais, temos de traduzi-lo com decisões orçamentais e não apenas com palavras:
Atualmente, o nosso clube gasta mais em despesas bancárias do que na nossa rede de Casas do Benfica. É essencial atribuir uma subvenção anual às Casas, com um método a definir, e um valor máximo de 2% das receitas, cerca de 1,3 milhões de euros.
Também a nossa Fundação tem sido autossuficiente, mas não consegue atender a todos os que dela precisam. Com apenas 1% das receitas do clube, esta poderia dobrar o número de pessoas envolvidas nas suas atividades e fazer a diferença em muito mais vidas.
Neste momento tenso para o clube, convém sermos, também, capazes de dialogar sobre assuntos que vão para lá do orçamento.
Em primeiro lugar, urge abordar a questão dos direitos televisivos. O Benfica tem de liderar este processo, pois é o único dos grandes que tem a oportunidade de fazer um novo contrato para duas temporadas adicionais. Após dois líderes que não concretizaram nenhuma solução, e a caminho do terceiro, espero sinceramente que não nos limitemos a optar pela solução fácil de estender o contrato com a NOS. Até agora, foram três anos perdidos nesta área e, sim, é uma matéria que compete ao clube enquanto maior acionista da SAD.
Dado o timing da sua publicação, também não podemos ignorar o tema da auditoria forense, que milagrosamente conclui que não existiram ilegalidades. Embora o Benfica tenha, e bem, enviado o documento para o Ministério Público, é evidente que existem, no mínimo, muitas imoralidades. Estas diminuem em muito a autoridade do Presidente do nosso clube, que mantém, no entanto, a total legitimidade do voto nas últimas eleições.
Rui, o nosso clube não pode ser gerido da forma descrita na auditoria. O Benfica precisa de uma equipa de gestão à altura dos seus pergaminhos. Precisamos de uma direção coesa, que não se perca em guerras internas e ponha apenas os interesses do Benfica em primeiro lugar. Tens de pôr fim a este ambiente tóxico.
Um ano sem autoridade é uma eternidade. Só há uma solução: marcar eleições e recandidatares-te com uma equipa completamente nova, incluindo no programa uma reorganização da estrutura do Benfica. Deixo claro que não tenho interesse em fazer parte desta reestruturação, mas acredito firmemente que sem ela não haverá união. Tenho a absoluta convicção que se seguires este caminho, continuarás a merecer o apoio da maioria dos Benfiquistas.
Liderar é construir o futuro, não é esperar que o hoje se torne amanhã.
Que seja um ano repleto de conquistas. Viva o Sport Lisboa e Benfica!